CARTA APOSTÓLICA
DIES DOMINI
DO SUMO PONTÍFICE
AO EPISCOPADO
AO CLERO E AOS FIÉIS
DA IGREJA CATÓLICA
SOBRE A SANTIFICAÇÃO DO DOMINGO.
O dia do Senhor — como foi definido o domingo, desde os
tempos apostólicos —,(1) mereceu sempre, na história da Igreja, uma
consideração privilegiada devido à sua estreita conexão com o próprio núcleo do
mistério cristão. O domingo, de facto, recorda, no ritmo semanal do tempo, o
dia da ressurreição de Cristo...
...Por isso, a Igreja, ao comemorar, não só uma vez ao ano
mas em cada domingo, o dia da ressurreição de Cristo, deseja indicar a cada
geração aquilo que constitui o eixo fundamental da história, ao qual fazem
referência o mistério das origens e o do destino final do mundo...
...Portanto, pode-se com razão dizer, como sugere a homilia
de um autor do século IV, que o « dia do Senhor » é o « senhor dos dias ».(2)
Todos os que tiveram a graça de crer no Senhor ressuscitado não podem deixar de
acolher o significado deste dia semanal, com o grande entusiasmo que fazia S.
Jerónimo dizer: « O domingo é o dia da ressurreição, é o dia dos cristãos, é o
nosso dia ».(3) De facto, ele é para os cristãos o « principal dia de festa
»,(4) estabelecido não só para dividir a sucessão do tempo, mas para revelar o
seu sentido profundo...
...A
sua importância fundamental, reconhecida continuamente ao longo de dois mil
anos de história, foi reafirmada vigorosamente pelo Concílio Vaticano II: « Por
tradição apostólica...
...quis
oferecer-vos esta Carta Apostólica para alentar o vosso empenho pastoral num
sector tão vital. Mas simultaneamente desejo dirigir-me a todos vós, caríssimos
fiéis, tornando-me de algum modo presente espiritualmente nas várias
comunidades onde, cada domingo, vos reúne com os vossos respectivos Pastores
para celebrar a Eucaristia e o « dia do Senhor ». Muitas das reflexões e
sentimentos que animam esta Carta Apostólica maturaram durante o meu serviço
episcopal em Cracóvia e mais tarde, depois de ter assumido o ministério de
Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, nas visitas às paróquias romanas, realizadas
com regularidade precisamente nos domingos dos diversos períodos do ano litúrgico. Deste modo,
parece-me prosseguir o diálogo vivo que gosto de manter com os fiéis,
reflectindo convosco sobre o sentido do domingo e sublinhando as razões para
vivê-lo como verdadeiro « dia do Senhor », inclusivamente nas novas
circunstâncias do nosso tempo...
... Ninguém desconhece, com efeito, que,
num passado relativamente recente, a « santificação » do domingo era
facilitada, nos países de tradição cristã, por uma ampla participação popular
e, inclusive, pela organização da sociedade civil, que previa o descanso
dominical como ponto indiscutível na legislação relativa às várias actividades
laborativas. Hoje, porém, mesmo nos países onde as leis sancionam o carácter
festivo deste dia, a evolução das condições sócio-económicas acabou por
modificar profundamente os comportamentos colectivos e, consequentemente, a
fisionomia do domingo. Impôs-se amplamente o costume do « fim de semana »,
entendido como momento semanal de distensão, transcorrido, talvez, longe da
morada habitual e caracterizado, com frequência, pela participação em
actividades culturais, políticas e desportivas, cuja realização coincide
precisamente com os dias festivos. Trata-se de um fenómeno social e cultural
que não deixa, por certo, de ter elementos positivos, na medida em que pode
contribuir, no respeito de valores autênticos, para o desenvolvimento humano e
o progresso no conjunto da vida social. Isto é devido, não só à necessidade do
descanso, mas também à exigência de « festejar » que está dentro do ser humano.
Infelizmente, quando o domingo perde o significado original e se reduz a puro «
fim de semana », pode acontecer que o homem permaneça cerrado num horizonte tão
restrito, que não mais lhe permite ver o « céu ». Então, mesmo bem trajado,
torna-se intimamente incapaz de « festejar »...
...Aos
discípulos de Cristo, contudo, é-lhes pedido que não confundam a celebração do
domingo, que deve ser uma verdadeira santificação do dia Senhor, com o « fim de
semana » entendido fundamentalmente como tempo de mero repouso ou de diversão.
Urge, a este respeito, uma autêntica maturidade espiritual, que ajude os
cristãos a « serem eles próprios », plenamente coerentes com o dom da fé,
sempre prontos a mostrar a esperança neles depositada (cf. 1 Ped 3,15). Isto
implica também uma compreensão mais profunda do domingo, para poder vivê-lo,
inclusivamente em situações difíceis, com plena docilidade ao Espírito Santo...
...Diante
deste cenário de novas situações e questões anexas, parece hoje mais necessário
que nunca recuperar as profundas motivações doutrinais que estão na base do
preceito eclesial, para que apareça bem claro a todos os fiéis o valor
imprescindível do domingo na vida cristã. Agindo assim, prosseguimos no rasto
da tradição perene da Igreja, evocada firmemente pelo Concílio Vaticano II
quando ensinou que, ao domingo, « os fiéis devem reunir-se para participarem na
Eucaristia e ouvirem a palavra de Deus, e assim recordarem a Paixão,
Ressurreição e glória do Senhor Jesus e darem graças a Deus que os
"regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de
entre os mortos" (1 Ped 1,3) ».(8)...
... O domingo é um dia que está no âmago
mesmo da vida cristã. Se, desde o início do meu Pontificado, não me cansei de
repetir: « Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo »,(9)
hoje neste mesmo sentido, gostaria de convidar vivamente a todos a
redescobrirem o domingo...
Por
isso, o Senhor também imprimiu o seu selo no seu dia, que é o terceiro após a
paixão. (este selo com certeza não é o de Deus) Porém, no ciclo semanal, aquele é o
oitavo depois do sétimo, isto é, depois do sábado, e o primeiro da semana ». A
distinção entre o domingo e o sábado hebraico vai-se consolidando sempre mais
na consciência eclesial, mas em certos períodos da história, devido à ênfase
dada à obrigação do descanso festivo, regista-se uma certa tendência à «
sabatização » do dia do Senhor. Não faltaram, inclusive, sectores da
cristandade em que o sábado e o domingo foram observados como « dois dias
irmãos »...
Nesta
perspectiva cristocêntrica, compreende-se uma outra valência simbólica que a
reflexão crente e a prática pastoral atribuíram ao dia do Senhor. De facto, uma
perspicaz intuição pastoral sugeriu à Igreja de cristianizar, aplicando-a ao
domingo, a conotação de « dia do sol », expressão esta com que os romanos
denominavam este dia e que ainda aparece em algumas línguas..
Exorto-vos,
portanto, amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio, a trabalhar
incansavelmente, unidos com os fiéis, para que o valor deste dia sagrado seja
reconhecido e vivido cada vez melhor. Isto produzirá frutos nas comunidades
cristãs, e não deixará de exercer uma benéfica influência sobre toda a
sociedade civil.
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